terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O Povo que se lixe...

Quando entrei na Justiça para suprir a vaga do então oficial do registro de imóveis, Carlos Boa Morte, que fora aposentado compulsoriamente, já estava em vigor o regime de oficialização, imposto pela então Organização Judiciária do Estado, implantada ainda no governo de Lomanto Júnior. Novembro de 1968 portanto, os cartórios que vagassem a partir dai já seriam do Estado, menos na capital, onde permaneceria o velho regime de custas.
Lá para as tantas, valendo-se da sua arrogância e do regime de ditadura vigente, Antonio Carlos Magalhães, com seu poder de governador biônico, decretou a oficialização também na capital, e apesar de todos os argumentos possíveis e tidos como imbatíveis, esse regime perdurou por mais de quatro décadas.
Agora, como que se estivessem descobrindo uma nova fórmula de fazer menino, surge o Conselho Nacional de Justiça - o famigerado CNJ - e "descobre", com o se fosse o maior absurdo, que o único estado da federação em que os cartórios extrajudiciais não são privatizados é a Bahia, e decreta o seu fim de forma sumária e absoluta, sem pensar em nenhuma das suas consequências.
E com isso implantou-se imediatamente o caos, porque nas capitais e nas grandes cidades, regime de custas é absolutamente rentável, mas nos demais lugares é impossível existir o mais simples cartório, sem que haja uma reviravolta completa em toda a Lei de Organização Judiciária, notadamente com referência às condições de preenchimento desses cargos, tidos como privativos de bacharel em direito.
E assim, os tabeliães, oficiais de registros civil, imóveis, títulos, documentos e demais em Salvador passaram a criar todo tipo de dificuldades para o cidadão, pois que também não interessava mais ao Tribunal de Justiça subsidiar tais repartições se dela não mais perceberiam os recolhimentos de custas, consideradas como rentáveis para o Poder Judiciário.
No interior todo, afora as cidades maiores, a situação de cada serventuário seria tranquila pois lhes foi dado o direito de optar em permanecer como servidor do Judiciário. Mas os cartórios, quem vai querer ser serventuário onde a arrecadação não dará nem para o mais barato aluguel?
Ai então, para que haja um elementar registro de nascimento de um bebê, por exemplo, em Santo Amaro, terá que haver um cartório privatizado, a cargo de um bacharel em direito que não poderá advogar na comarca e nem fora dela. E por melhor que seja o movimento dos registros, e com a obrigação de fornecer certidões gratuitas, a arrecadação jamais será atraente a ponto de funcionar esse cartório. Isso dando exemplo Santo Amaro que é uma cidade de porte médio, imagine as cidades ainda menores e os seus respectivos distritos.
Ou um colapso acaba de ser instalado nesse ramo de atividade, ou teremos que voltar ao velho esquema dos cartórios de fundo de quintal, onde o titular não precisava saber ler e escrever bem, e poderia ser colocado num quartinho qualquer como se fosse uma quitanda de vender abóbora em pedaços, umas folhas enfusadas na cachaça, azeite de dendê e coentro.
E pior de tudo isso é que essa imposição do CNJ, tida como que corregedora do sistema cartorário na Bahia, não se tratou de uma coisa automática, como se fosse um grosseiro erro do judiciário baiano. Não. Foi preciso se mandar mensagem para o Legislativo e este aprovar uma nova lei com a minuta do CNJ, emenda dos deputados e os protestos do Tribunal de Justiça e dos servidores do Judiciário.
Ora, se precisou criar uma Lei para revogar aquela outra anterior, é claro que a que estava em vigor era legal.
Agora, ainda fruto do lobby dos cartórios das cidades grandes, o povo continua sofrendo nas filas e nas madrugadas, porque sequer essa gente tem a sensibilidade de implantar um sistema de agendamento, que permita ao usuário comparecer no dia e na hora marcados.
E a Corregedora do Tribunal de Justiça diz em entrevista que essa situação estará solucionada definitivamente até o dia 30 de março, como se isso pudesse ser verdade.
Essa gente fala as coisas e pior que tem gente que acredita.
É por isso que eu continuo com minha KABEÇADURA!!!

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

COISAFOBIA

País está muito chato ao ver discriminação em tudo
Por Carlos Brickmann

[Texto publicado na Coluna Circo da Notícia, no Observatório da Imprensa]

David Nasser, turco que gostava de ser chamado de turco, compôs uma beleza de batucada: "Nega do Cabelo Duro". Oswaldo Santiago e Paulo Barbosa brincaram com os chineses ("Lá vem o seu China na ponta do pé/ lig, lig, lig, lig,lig, lig lé (...) chinês, come somente uma vez por mês"), Adoniran Barbosa falou dos judeus ("Jacó, a senhorr me prometeu/ uma gravata, até hoje ainda não deu/ faz trrinta anos, que esto se passarr/ e até hoje o gravata não chegarr"). Lamartine Babo disse que a cor da mulata não pegava. Racismo? Racismo é a mãe!

Pois não é que agora querem ver discriminação racial em tudo? Há dias, um artigo assinado por um desses intelectuais com gavetas cheias de diplomas e uma cabeça vazia de ideias e raciocínio fez duros ataques ao ator Marcelo Serrado, que faz o papel de bicha louca numa novela. Dois eram os principais argumentos: primeiro, que a bicha louca fazia trejeitos de bicha louca, e isso provocava homofobia; segundo, que o ator disse que não gostaria que sua filha de sete anos visse um beijo gay na TV, e isso, para o professor-mestre-doutor-sabetudo, também é homofobia. Cá entre nós, homofobia é a mãe.

Primeiro, o ator faz papel de bicha louca porque é assim que seu personagem na novela deve se comportar. Anthony Hopkins se comporta como canibal em O Silêncio dos Inocentes porque seu papel é de canibal. Se é para criticar alguém, que se critique o autor — mas como acusar de homofobia exatamente um dos maiores lutadores contra a homofobia, Aguinaldo Silva, que há uns 30 anos editava o jornal Lampião e enfrentava o moralismo da ditadura? Ah, Lampião! Ali estavam também Antônio Chrysóstomo, Jean-Claude Bernardet, João Antônio, João Silvério Trevisan, Peter Fry, tudo gente de primeiro time. Um belíssimo jornal.

Segundo, há gente que tem medo até de olhar para gatos (é uma doença, a ailurofobia). E daí? Se ninguém os obrigar a pegar um gatinho no colo, se o ailurófobo não sair por aí maltratando gatos, tudo bem. Há gente que odeia salas sem janelas. Se não forem obrigadas a entrar nestas salas, se não saírem quebrando os móveis, e daí? O ator não gostaria que sua filha de sete anos visse um beijo gay na TV. Este colunista não gosta de ver essas lutas de UFC e muito apreciaria que seu filho também não gostasse. Mas ele as aprecia. O colunista não gosta de comer bacalhau. E daí, cavalheiros? Alguém pretende processá-lo por negar-se a ver pessoas brigando? Estará insuflando a bacalhaufobia? Sejamos sérios!

Este país está ficando muito chato. Este colunista é gordo, não "forte". Todo mundo que tem a sorte de não morrer cedo fica velho, em vez de "entrar na melhor idade". Anão é anão, preto é preto, cego é cego. Afrodescendente? O material científico disponível informa que o Homo Sapiens tem origem na África. Todos somos, portanto, do negão ao sueco albino, afrodescendentes.

E, lendo essas coisas que a gente vê por aí, é preciso firmar opinião: seja qual for o número de diplomas que ostente, burro é burro.

Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados.

Revista Consultor Jurídico, 18 de janeiro de 2012

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Os chatos sempre existiram...

Em todos os tempos que  tive a oportunidade de acompanhar sempre existiram aqueles tipos chatos que a tudo combatem, que a tudo contradizem e que para tudo cobram e esperam soluções e resultados, mesmo sem apontar os mais elementares caminhos.
Normalmente são pessoas tidas como esclarecidas, intelectuais e naturalmente antipáticas. Eu até já andei circulando por esses grupos, anônima e isoladamente, mas nunca fui levado a sério porque talvez seja mesmo apenas um cabeça dura.
Mas o que me desperta agora é essa onda de manifestações que invade as redes sociais, notadamente o facebook, em que uns tantos intelectualóides se posicionam contra as coisas mais obvias e lógicas do mundo, transformando-as em verdadeiros desafios, a convocar adesões e arregimentar manifestantes reais.
Tem um grupo que tenho acesso, formado por jornalistas, todos aparentemente de esquerda, e todos habitando uma casta de profissionais de excelentes textos, que vive em permanente mau humor e se contradiz a todo momento, logicamente que dentro da minha concepção.
A cidade do Salvador e o governo municipal são os alvos constantes das penas dessas ilustres figuras, embora se saiba que alguns deles são encarregados de produzir textos nas assessorias de comunicação da prefeitura, do governo do estado, suas autarquias e por ai vai. Mas como se sentem como se estivessem numa mesa de bar conversando fiado, falam e protestam abertamente.
E criticam a rede globo, e criticam os donos de jornais que seriam subservientes, e criticam os colegas que se submetem ao que chamam de ditadura dos editores, e criticam a cantora que teria cometido um deslize, e criticam João Gilberto pelos exageros, Roberto Carlos por ser Rei, acham absurdo o pagode baiano, abominam o funk carioca, a música sertaneja, o arrocha baiano, e até o programa do Faustão...
Na verdade ninguém sabe do que eles gostam, até aparecer um e elogiar "aquela cantora que estava no barzinho ontem de noite", comparando com Elis Regina ou Maria Bethânia. Mas de repente, porque o garçom cobrou uma cerveja a mais na conta, retornam ao ponto de origem dos protestos contra a Polícia que não vê isso, a Prefeitura que libera os bares desses ladrões e lá vai a mesma rotina.
Agora repetem os "protestos" contra o BBB, um programa engana trouxas que a Rede Globo exibe diariamente neste período do ano para encher chouriça, onde sempre escolhe, dentre milhares e milhares de candidatos os mais extravagantes, exóticos e bizarros possíveis, um representante de classe, não sei se social ou econômica. Mas tem que ter um viado, um negro, uma sapato, uma garota de programa, uma baiana, um engenheiro, um médico, no mesmo formato de todos os anos.
Na primeira festa promovida, regada a muita bebida e putaria, lá para as tantas começam a se amassar mutuamente os participantes, uns mais do que outros até que, depois, alguém vislumbra um lance erótico, que e a nossa sociedade, atenta e moralista, aponta como uma tentativa de estupro, enquadrado na atual legislação penal sobre a espécie. E o mundo vem abaixo. A polícia manda parar o BBB para ouvir os participantes como testemunhas, e o estuprador é afastado do programa.
Ai se esquecem do suposto estupro e direcionam as críticas para o fato de que o rapaz era negro, e de racismo porque ele foi afastado nessa condição, e que a mulher fora violentada na sua dignidade por ter sido forçada. E convocam-se ministros e ministérios, ongs e delegacias, juízes e promotores...
Ai eu não agueeeeeeeeento... Sem mais comentários...
É por isso que vou continuar um KABEÇADURA...

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Um tango para Tereza...

Nem sei exatamente em que ano foi, mas tem pelo menos uns trinta que encontrei o Capitão Fraite - Osvaldo Figueredo - na Ladeira da Praça numa segunda-feira gorda da Ribeira, por volta das 17 horas. Tanto ele quanto eu tínhamos vindo de lá, e aproveitamos para "bater mais uma".
Fraite ia para a Rodoviária e eu ia pra Oliveira onde morava, e onde também estava morando o Capitão. Dai acabou a pressa, pois iríamos de carro. Mais um tira-gosto e mais umas duas cervejas. Boca da noite, seguimos viagem e paramos na primeira churrascaria que encontramos na estrada, e mais umas duas cervejas e mais tiragosto.
Ao passar em Amélia Rodrigues, o espírito bregueiro despertou para uma parada na tradicional "boite" de lá, nos tempos em que havia um salão, mulheres e quartos para alugar.
- Será que tá funcionando hoje, segunda-feira? Respondi perguntando a Fraite, tentando desviar a sua vontade de uma parada.
- Claro!!! Respondeu - já viu brega fechar???
Encostei o fusca na porta de entrada e entramos. Duas ou três galinhas mortas e uma canção de Waldick Soriano na vitrola. Pedimos uma cerveja e logo meu companheiro tira uma dama pra dançar. Colocaram as músicas românticas de maior sucesso nos puteiros. E então entra uma na voz de Ângela Maria, e nos primeiros acordes atiça o espírito boêmio e, em vez de cerveja, Fraite manda botar uma dose de uisque, enquanto continuei na cerveja já também dançando com a minha dama.
E terminada a música ele brada autoritário; - Repita o Tango para Tereza... E mais um uisque...
Eu nunca fui de beber bebida mais forte, no máximo uma ou outra dose. Meu negócio era cerveja. E seguimos noite adentro dançando repetidas vezes a mesma canção, e repetindo a mesma dama, tanto ele quanto eu. Já era bem tarde quando percebemos que estava apenas a gente e uma moça servindo a bebida e repetindo o disco.
Nem tínhamos idéia de quanto era a conta a pagar, mas pagamos e fomos para o quarto cada um com a sua. Precisávamos chegar em casa qualquer que fosse a hora, porque de manhã cedinho cada um ia trabalhar, ele no Banco do Brasil e eu no Cartório de Imóveis.
O sol quente na cara nos despertou por volta das sete horas, o que já era bem tarde, já que ainda íamos pra casa em Oliveira. O acerto de contas para pagar o aluguel dos quartos e das raparigas foi um drama, pois ninguém mais tinha nem um tostão. As mulheres querendo dinheiro e a cafetina também, vi a hora do circo pegar fogo. Mas Capitão Fraite, mais decidido, decretou: - Bebemos aqui a noite toda e pagamos a conta das bebidas e ninguém vai pagar mais nada.
E saímos. Os protestos, as ameaças de chamar fulano e sicrano e entrei no carro, meu velho fusca. Bato na chave e nada. Insisto e nada. Ai disse a Mano (outra forma de chamar Fraite): - Estamos fudidos...
E fui olhar o motor, que estava com a porta aberta. Conferi e nada do rotor... E agora??? Dei outra olhada e encontrei o rotor no cantinho. Alívio... Felizmente alguém apenas quis pregar uma peça em nós outros desatentos em deixar a tampa do motor do carro sem a chave.
Colocado o rotor no lugar, liguei a ignição e o fusca roncou forte antes que um cara parecendo leão de chácara chegasse perto. Rumamos para Santo Amaro direto para trabalhar...
Até hoje nosso cumprimento é o mesmo:
- Um Tango para Tereza...
(Mas a lembrança desse caso veio em razão da Segunda-feira gorda da Ribeira...)