sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

 O dia que entrevistei Pelé



Essa nunca contei a ninguém. Um segredo que mantive a vida toda. Mas agora que não tem ninguém vivo para me desmentir, e diante do evento do falecimento do Rei, entendo oportuno revelar, mesmo porque é até engraçado.

Ano de 1970, preparativos para a copa do tri, reforma na Fonte Nova que duplicou as arquibancadas. Muita expectativa, programação bastante organizada, cheia de exigências e credenciamentos, embora ainda longe do profissionalismo e os protocolos de agora. 

A Rádio Educadora de Santo Amaro, a inesquecível ZYN-33, tinha o seu departamento de esportes, do qual fazia parte, não só como inexpressivo reporter de campo - as vezes comentaristas e narrador -, mas também como uma espécie de diretor, que tinha contato com a ABCD - Associação Bahiana dos Cronistas Desportivos, para obtenção das credenciais para cobertura dos jogos do campeonato, já que até o ano anterior o Ideal E.C. participava.

Uma enorme euforia para a equipe "fazer" o jogo da seleção na Fonte Nova, e para esses jogos reapareciam os figurões da equipe que sempre surgiam para dar mais qualidade e prestígio às transmissões, e eu tinha me encarregado e conseguido incluir nossa emissora dentre as demais de todo o Brasil para a transmissão desse jogo importante.

E com as dificuldades técnicas da nossa modesta emissora, quando o sinal era enviado por linha telefônica, a custos relativamente altos porque era linha interurbana, também difícil era obter patrocínio comercial, que mal dava para cobrir as despesas. Mas conseguimos.

Dia do jogo, aquela ansiedade enorme, chegar na Fonte Nova com tantas e tantas emissoras com seus equipamentos poderosos, e nós com uma "maleta" na pista, uma caixa daquelas com antena que mandava o sinal sem fio para a cabine, e só. 

E chegando a hora do jogo, ainda estávamos na luta para o contato com a Telebahia para liberar a linha, e chama daqui com insistentes alô alô alô central... e nada de sinal. Duas horas da tarde, finalmente a linha é instalada, o pessoal da cabine - Edilson, Sielinton, Zorildo, Juvenal (todos no plano de cima) no ar, mas a gente lá do gramado nada. Tinhamos um microfone fixo com cabo de extensão e o tal do DTP (acho que era assim que chamava). O fixo para os lances e o sem fio para as entrevistas.

Nessa agonia, entra a Seleção - eu tremendo de emoção diante dos maiores craques do futebol, e clamava para o tecnico: - manda o som, manda o som... E nada... Eu cada vez mais nervoso, diante da frustração de não entrar em campo para as entrevistas. 

Quando vi a Seleção perfilada para o hino, sai correndo peguei o aparelho e coloquei na boca do Rei. Pedi para mandar uma mensagem para os ouvintes da Educadora, ele me olhou e mandou um abraço para os ouvintes; quando ensaiei uma pergunta, ele empurrou minha mão e disse - chega.

O interessante é que nada saiu no ar, o aparelhinho não funcionou. E eu fiquei a vida inteira calado. A alguns eu contei como um lance até de astúcia, para não ficar como um bobo parado com microfone na mão.

Assim ou assado, eu tive a honra de entrevistar o Edson Arantes do Nascimento, o eterno Rei Pelé.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

 

Supremo Tribunal 

do Vexame Nacional 

01/12/2022  - Transcrito da Tribuna da Bahia

Joaci Goes

Ao querido amigo Carlos Frederico Machado Neto! 

Segundo nos ensinou Mohandas Karamichand Gandhi, o Mahatma Gandhi, “Se ages contra a justiça e eu te deixo agir, a injustiça é também minha”! Nessa perspectiva, está de parabéns a ampla faixa da população brasileira que vem reagindo aos momentosos desvios de conduta de alguns membros de nossos tribunais superiores que teimam em ignorar a milenária prescrição romana do bom comportamento da magistratura: Honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere (Viver honestamente, não prejudicar ninguém, atribuir a cada qual o que lhe pertence). 

Não há precedente em país sério, onde a liberdade seja um valor absoluto, em que sua Suprema Corte haja se afastado tanto dessa sua sagrada função, atingindo um patamar de imensurável desapreço nacional, como o alcançado por membros do nosso STF. Diante das decisões proferidas por algumas de Suas Excelências, os descendentes do pretor romano Lucius Antonius Rufus Apius, que decidia em favor de quem lhe pagava mais, daí advindo a palavra L.A.R.Apius, larápio, podem caminhar com a fronte erguida, porque juízes de nossa Suprema Corte roubaram-lhe a palma, literalmente. Os resultados aí estão: decisões que enodoam a imagem do outrora Excelso Pretório, hoje considerado uma instituição a serviço dos interesses mais subalternos, fato que impede vários dos seus membros frequentar espaços públicos, dentro e fora do País, por receio dos apupos advindos da irresignação coletiva.   

O esporte predileto de algumas de Suas Excelências passou a ser o linchamento da Constituição, que é do seu maior dever preservar, ao tempo em que ignoram, solenemente, o preceito fundamental que proscreve, como indignidade, o pagamento, com a toga, de favores recebidos. Platão já ensinava, no Século IV A.C., que “O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis”.  

A dolorosa e inquietante verdade é que passamos a viver “um vale-tudo” que expõe a mais nobre das instituições humanas, a quem a sociedade confere poderes quase divinais, a uma sucessão de vexames que enrubescem e enchem de indignação os brasileiros decentes e nos degradam aos olhos do mundo. A reduzida maioria de Suas Excelências vem despetalando, um a um, a golpes certeiros, os diferentes atributos que Winston Churchill apontou no desempenho do bom julgador: “liberdade, justiça, honra, dever, piedade e esperança”. De tal modo ostensivo o STF passou a patrocinar o crime do colarinho branco, no Brasil, guardando a severidade da lei para os fracos, que nele Sólon, um dos sete sábios da Grécia antiga, encontraria a inspiração para descrever as leis como sendo “teias de aranha, boas para capturar mosquitos, enquanto deixam escapar os insetos maiores que rompem sua trama”.   

A prática do STF tem passado muito ao largo do conselho de Joseph Joubert, para quem “a justiça é o direito do mais fraco”. Para punir os assaltantes do Erário, diante da deserção da Suprema Corte, só resta a parte final da conclusão de Ruy Barbosa ao lecionar que “as leis são um freio para os crimes públicos, e a religião para os crimes secretos”. Algumas decisões monocráticas e colegiadas têm sido de estarrecer os mais elementares princípios da equidade e da honradez, alargando o entendimento de que, com uma corte Suprema de tão baixo estrato, o Brasil não tem qualquer chance de futuro. O recente fim da Lava-jato, determinado por folgada maioria da Suprema Corte, resultou, predominantemente, da inveja de alguns Ministros, do notável êxito alcançado por Sérgio Moro, um dos maiores juízes de nossa história. Com essa decisão infeliz, o Brasil voltou a ser um país onde cadeia é só para pretos, pobres e putas.